José Carlos Silva Nascimento.
(Contramestre "Gué").
Trajetória, Legado e a Salvaguarda da Cultura Afro-Brasileira na Região Grapiúna.
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Criador do Documento: Cristiano Dos Santos Rocha.
Data de Criação: Outubro de 2025
Guarulhos, SP.
Sumário:
1. Introdução: O Guardião de um Legado em Itabuna
1.1. Apresentação do Contramestre José Carlos "Gué" Silva Nascimento
1.2. A Escola de Capoeira Casa do Vovô como Epicentro Cultural
1.3. Itabuna e o Ecossistema da Capoeira na Região Grapiúna
2. A Gênese de um Capoeirista: A Linhagem de Mestre Vovô
2.1. A Formação e Identidade de Contramestre Gué
2.2. Mestre Vovô (Antônio Neviton dos Santos): O Mentor e sua Missão Social
2.3. A Fundação da Casa do Vovô: Um Ato de Preservação da Memória e do Axé
3. A Filosofia em Movimento: Técnica, Musicalidade e Intelecto
3.1. O Estilo Pessoal de Gué: O "Jogo de Corpo" e a Mandinga
3.2. O Mestre-Pesquisador: A Valorização do Conhecimento e da Estratégia
3.3. A Centralidade da Musicalidade: O Berimbau, o Canto e o Ritmo
4. O Samba de Roda: A Alma da Confraternização
4.1. A Integração do Samba de Roda na Prática da Casa do Vovô
4.2. O Samba como Expressão de Identidade, Resistência e Celebração Comunitária
5. A Capoeira como Ferramenta de Transformação Social
5.1. A Pedagogia da Casa do Vovô: Formando Cidadãos Através da Arte
5.2. A Capoeira como Prática Antirracista e de Valorização Humana
5.3. O Projeto Cazua: Um Ateliê de Cultura e Convivência
6. Um Embaixador da Cultura Popular: A Disseminação do Legado
6.1. Missão Nacional: Levando a Arte a 17 Estados Brasileiros
6.2. Projeção Internacional: Chile, Argentina, Turquia, França e Espanha
6.3. O Impacto da Mobilidade na Troca de Saberes e no Fortalecimento da Rede
7. Conclusões: A Síntese do Educador, Artista e Líder Comunitário
Agradecimento ao Criador do Documento
Referências
1. O Guardião de um Legado em Itabuna
1.1. Apresentação do Contramestre "Gué" : José Carlos Silva Nascimento.
No coração do sul da Bahia, em um território fértil tanto para o cacau quanto para a cultura, emerge a figura de José Carlos Silva Nascimento, amplamente reconhecido no universo da Capoeira por seu nome de batismo na roda, "Gué". É fundamental, desde o início, situá-lo corretamente em sua posição hierárquica: ele é um Contramestre, um título que denota um nível avançado de maestria, habilidade e responsabilidade. Contramestre Gué se estabeleceu como um pilar fundamental na salvaguarda, prática e disseminação da Capoeira e de outras manifestações culturais afro-brasileiras na cidade de Itabuna. Sua atuação transcende a de um mero praticante; ele é um agente cultural, um educador e um líder comunitário cuja trajetória está intrinsecamente ligada à preservação de um legado ancestral e à formação de novas gerações.
1.2. A Escola de Capoeira Casa do Vovô como Epicentro Cultural.
A materialização do trabalho e da filosofia do Contramestre Gué encontra seu epicentro na Escola de Capoeira Casa do Vovô. Formalmente estabelecida em 2016, a entidade foi fundada por Gué e um grupo coeso de capoeiristas—Carlos, Geovane, Thiago, William, Wilde, Alessandro e Renato—com um propósito claro e reverente: dar continuidade aos ensinamentos de seu falecido mentor, Mestre Vovô. O nome da escola, "Casa do Vovô", é em si uma declaração de missão, um ato de homenagem que transforma o espaço físico em um santuário vivo da memória e do axé (a força vital e sagrada) de seu mestre. A instituição não funciona apenas como um local de treinamento técnico, mas como um "ponto de irradiação cultural e social", uma entidade que pulsa no ritmo da comunidade, promovendo a Capoeira como uma ferramenta integral de desenvolvimento humano e social.
1.3. Itabuna e o Ecossistema da Capoeira na Região Grapiúna.
A atuação do Contramestre Gué e da Casa do Vovô não ocorre em um vácuo cultural. Pelo contrário, está inserida em um dos mais significativos "berços" da Capoeira no Brasil: a região grapiúna, também conhecida como a zona cacaueira da Bahia. Itabuna tem um histórico notável na formação de ícones da Capoeira que alcançaram notoriedade internacional, como Mestre Suassuna, fundador do Grupo Cordão de Ouro, e Mestre Luís Medicina, do Grupo Raça.
Em Itabuna, a Capoeira é um ecossistema de alto nível, com forte disciplina e institucionalização. Mestres e contramestres da cidade são guardiões dessa reputação. Reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial (Lei nº 2.065, outubro de 2022), a Capoeira grapiúna ganha continuidade e formalização com a Casa do Vovô, liderada pelo Contramestre Gué, que se compromete a honrar e elevar a tradição local.
2. A Gênese de um Capoeirista: A Linhagem de Mestre Vovô.
2.1. A Formação e Identidade de Contramestre Gué.
A jornada de José Carlos Silva Nascimento na Capoeira é definida por uma abordagem dualista que equilibra a fisicalidade da luta com a profundidade da investigação intelectual. Embora demonstre apreço por diversas artes de combate, sua prática se concentra na Capoeira como uma "luta em sua essência absoluta", uma disciplina completa em si mesma. Para ele, a Capoeira não é apenas um conjunto de movimentos, mas uma complexa intersecção de luta, cultura, história e identidade de um povo. Uma de suas principais especialidades e focos de estudo é a musicalidade e a dimensão rítmica da arte, um domínio que exige sensibilidade e conhecimento profundo dos toques do berimbau, dos cantos e da percussão que comandam a roda.
Sua filosofia de ensino transcende o treinamento físico repetitivo, exigindo uma prática intelectualizada e um estudo constante. A máxima de que é preciso "pesquisar bastante sobre lutas e artes marciais" revela um mestre que valoriza a estratégia, o conhecimento histórico e a capacidade de reflexão. Esta visão molda sua prática e seu ensino, posicionando-o como um pesquisador do movimento humano e um guardião do saber que envolve a Capoeira.
2.2. Mestre Vovô (Antônio Neviton dos Santos): O Mentor, a Pedagogia Holística e o Legado Duradouro.
A essência da trajetória do Contramestre Gué e a própria fundação da Casa do Vovô encontram suas raízes profundas na figura seminal de seu mentor, Mestre Vovô, cujo nome de batismo era Antônio Neviton dos Santos. Nascido em 26 de agosto de 1950 e falecido em 05 de abril de 2013, Mestre Vovô não era apenas um capoeirista respeitado, mas um verdadeiro pilar da comunidade de Itabuna, Bahia, e uma força motriz por trás do Grupo Capoeira Raça. Sua influência se estendia muito além das rodas de capoeira, moldando a visão e o caráter de Gué e de muitos de seus contemporâneos.
O legado de Mestre Vovô transcendia a mera técnica da Capoeira. Ele se notabilizou por um trabalho social de base profundamente impactante, concentrando seus esforços em crianças e jovens oriundos de bairros periféricos e de alta vulnerabilidade social em Itabuna. Localidades como São Pedro, Califórnia, Ferradas e Urbis 4 foram palco de sua dedicação incansável, onde a Capoeira se tornava um instrumento de transformação social e resgate da dignidade. Sua abordagem era a de um educador visionário, que via na cultura afro-brasileira um caminho para o desenvolvimento integral do indivíduo.
A pedagogia de Mestre Vovô era intrinsecamente holística e abrangente, rompendo com a visão da Capoeira como uma prática isolada. Para ele, a Capoeira era a porta de entrada para um vasto e rico repertório de expressões culturais afro-brasileiras. Suas aulas eram verdadeiras imersões culturais, que iam além dos movimentos e da musicalidade da Capoeira. Elas incorporavam a eletrizante Dança do Fogo, a expressividade da Dança Afro, a força e a tradição do Maculelê e a beleza comunitária da Puxada de Rede. Ao apresentar essas diversas manifestações, Mestre Vovô enriquecia a compreensão de seus alunos sobre a profundidade e a amplitude de sua herança cultural, cultivando neles um senso de identidade e pertencimento.
A excelência e a visão integrada de seu trabalho foram amplamente reconhecidas, culminando na participação de seus alunos em eventos de grande prestígio. Um exemplo notável foi o festival "Capoeirando", idealizado e organizado pelo renomado Mestre Suassuna, uma das maiores referências da Capoeira mundial. A presença e o desempenho dos alunos de Mestre Vovô nesse evento atestavam a qualidade de seu ensino e a capacidade de sua metodologia em formar capoeiristas e cidadãos conscientes de seu valor cultural.
O falecimento de Mestre Vovô em 2013 deixou um vácuo imenso na comunidade capoeirística e social de Itabuna. Contudo, essa perda não foi um ponto final, mas sim um catalisador poderoso. Serviu como um motivador crucial para seus alunos, que, impulsionados pela memória e pelos ensinamentos de seu mestre, se uniram para garantir que seu legado e sua missão social não se perdessem. Dessa determinação e do desejo de perpetuar a obra de Mestre Vovô nasceu a Casa do Vovô, um espaço que hoje continua a reverberar os ideais de seu fundador, mantendo viva a chama da Capoeira e da transformação social que ele tão apaixonadamente acendeu.
2.3. A Fundação da Casa do Vovô: Um Ato de Preservação da Memória e do Axé.
A fundação da Escola de Capoeira Casa do Vovô em 2016 foi uma resposta direta e consciente à ausência de Mestre Vovô. Este ato representa um movimento crucial na Capoeira contemporânea: a institucionalização da memória. A tradição da Capoeira, historicamente, dependeu da transmissão oral, do conhecimento passado de mestre para discípulo.
Ao criar uma entidade formal, com registro e estrutura, Contramestre Gué e os co-fundadores executaram uma estratégia moderna para a sobrevivência de uma tradição ancestral. Eles se posicionaram como "herdeiros e gestores patrimoniais", assumindo a responsabilidade de catalogar, preservar e transmitir o legado de Mestre Vovô. A formalização permite que o grupo interaja com as estruturas cívicas do século XXI—participando de editais públicos, firmando parcerias com órgãos de cultura como a Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC) e garantindo um espaço legítimo no cenário cultural da cidade. Assim, a criação da Casa do Vovô foi tanto um ato de profundo respeito e homenagem ao passado quanto uma decisão pragmática e visionária para garantir a viabilidade e o crescimento desse legado no futuro.
3. A Filosofia em Movimento: Técnica, Musicalidade e Intelecto
3.1. O Estilo Pessoal de Gué: O "Jogo de Corpo" e a Mandinga.
O estilo de Capoeira praticado e ensinado pelo Contramestre Gué é marcado por uma ênfase no sincretismo, na funcionalidade e na adaptabilidade. Ele enxerga a Capoeira como uma filosofia de vida que abarca com igual importância os estilos Angola, Regional e Contemporâneo, compreendendo que cada um oferece ferramentas valiosas para o capoeirista. Sua visão é expansiva, identificando a essência da Capoeira em manifestações diversas, como no "drible do jogador de futebol", nos movimentos do samba e do frevo, e nas "curvas" corporais necessárias para a prática de outros esportes.
A metodologia foca no "jogo de corpo", que vai além da agilidade física, incluindo malícia (mandinga), astúcia estratégica e antecipação. Promove um estilo que valoriza a adaptação individual da técnica às características únicas, priorizando inteligência e criatividade na Capoeira, onde a ginga é um diálogo corporal complexo e estratégico.
3.2. O Mestre-Pesquisador: A Valorização do Conhecimento e da Estratégia.
Embora sua prática esteja firmemente enraizada no solo fértil da Bahia, berço dos icônicos Mestre Bimba e Mestre Pastinha, a principal influência que molda a filosofia do Contramestre Gué é a exigência intelectual da arte. Ele é um defensor veemente da máxima de que um capoeirista completo não pode ser "só um grande jogador", mas deve ser, acima de tudo, um "grande pesquisador".1 Essa postura exige que os praticantes se dediquem a entender a história, a filosofia e os fundamentos da Capoeira, a serem "bons de cabeça" tanto quanto são "bons de pernada".
Essa abordagem alinha Contramestre Gué a uma tendência nacional de intelectualização da Capoeira, que busca validá-la como um campo de conhecimento complexo. Este movimento encontra paralelos no ambiente acadêmico, como no trabalho de Mestre Xaréu, que foi pioneiro na introdução da Capoeira como disciplina formal na Universidade Federal da Bahia (UFBA), tratando-a como um objeto de estudo e pesquisa sistemática. Embora operando em esferas diferentes—Gué na comunidade e Xaréu na universidade—, ambos participam do mesmo processo cultural de elevação da Capoeira de uma prática puramente folclórica para uma disciplina que exige rigor intelectual. Gué personifica, no nível comunitário, o arquétipo do "Mestre-Filósofo" ou "Mestre-Pesquisador", um educador que entende que a técnica física é incompleta sem a capacidade reflexiva e o embasamento histórico.
3.3. A Centralidade da Musicalidade: O Berimbau, o Canto e o Ritmo.
Um dos pilares que definem a identidade do Contramestre Gué como capoeirista e educador é sua profunda dedicação à dimensão musical da arte. O documento original destaca que uma de suas "principais especialidades e focos de estudo é a musicalidade e a parte rítmica da arte". Na Capoeira, a música não é um mero acompanhamento; ela é o elemento que comanda a roda, dita o ritmo, a velocidade e a intenção do jogo. A bateria de instrumentos—liderada pelo berimbau e complementada pelo atabaque, pandeiro, agogô e reco-reco—é o coração da roda, e o canto (as ladainhas, quadras e corridos) narra histórias, invoca o axé e estabelece a energia do momento.
A especialização de Gué nesta área significa que ele possui um domínio não apenas dos toques do berimbau e de seus significados, mas também da complexa relação entre o som e o movimento. Ele compreende como um toque de Angola pede um jogo mais baixo e estudado, enquanto um São Bento Grande de Bimba convoca um jogo rápido e objetivo. Esta expertise é fundamental, pois serve como a ponte natural para a valorização de outras manifestações musicais e rítmicas afro-brasileiras, como o Samba de Roda, estabelecendo que, para ele, a luta, o canto e a dança são facetas inseparáveis de uma mesma expressão cultural.
4. O Samba de Roda: A Alma da Confraternização.
4.1. A Integração do Samba de Roda na Prática da Casa do Vovô.
A inclusão do Samba de Roda nas atividades da Escola de Capoeira Casa do Vovô é uma extensão natural e lógica da filosofia pedagógica herdada de Mestre Vovô. Embora a Capoeira seja o foco principal, a metodologia de Mestre Vovô já estabelecia um currículo cultural amplo, que valorizava diversas formas de expressão como a Dança Afro e o Maculelê. A prática do Samba de Roda, frequentemente realizada após as rodas de Capoeira, cumpre uma função social e pedagógica específica e crucial.
A roda de Capoeira, mesmo em seu aspecto mais lúdico, é fundamentalmente um espaço de confronto simulado, de teste de habilidade, atenção e malícia. Há uma tensão inerente ao jogo, um diálogo de pergunta e resposta corporal que exige foco e prontidão. O Samba de Roda, por outro lado, atua como um catalisador social que dissolve essa tensão. Ele transforma a energia do confronto em celebração coletiva. É o momento em que a hierarquia da roda se flexibiliza, e todos, do mestre ao aluno iniciante, se unem no canto e na dança. Portanto, a promoção do Samba de Roda pelo Contramestre Gué não é um adendo recreativo, mas uma escolha pedagógica deliberada. Ele compreende que o samba reforça os laços comunitários que foram testados e afirmados no jogo de Capoeira, servindo como o "exalar" comunal necessário após o "inalar" focado do jogo.
4.2. O Samba como Expressão de Identidade, Resistência e Celebração Comunitária.
O Samba de Roda é um veículo de identidade cultural e resistência, conforme o IPHAN: "O samba é a vida, é a alma, é a alegria da gente". Suas letras improvisadas narram o cotidiano e a memória popular, transmitindo valores e histórias. Assim como a Capoeira, o samba foi um refúgio para a cultura e identidade afro-brasileira em tempos de opressão. Ao integrar o Samba de Roda, a Casa do Vovô conecta seus alunos a essa tradição de resiliência e celebração, reforçando suas raízes e fortalecendo a comunidade.
5. A Capoeira como Ferramenta de Transformação Social.
5.1. A Pedagogia da Casa do Vovô: Formando Cidadãos Através da Arte.
A filosofia de ensino da Escola de Capoeira Casa do Vovô transcende a mera transmissão de técnicas de luta. A missão declarada da instituição é "trabalhar na formação dos indivíduos que participam do nosso grupo", um objetivo que posiciona seus líderes, como o Contramestre Gué, primariamente como "educadores". A meta final não é apenas formar capoeiristas habilidosos, mas desenvolver "futuros grandes cidadãos". Esta abordagem pedagógica está alinhada com uma compreensão moderna da Capoeira como uma poderosa ferramenta socioeducacional, capaz de instilar valores como disciplina, respeito, responsabilidade e autoconfiança. O código de conduta imposto por Gué exige "responsabilidade com a capoeira e principalmente comprometimento", garantindo que a ética e a seriedade praticadas dentro da roda se reflitam na vida comunitária dos alunos. Esta visão é compartilhada por inúmeros projetos sociais em todo o Brasil, que utilizam a Capoeira para oferecer oportunidades e caminhos alternativos a jovens em situação de vulnerabilidade.
5.2. A Capoeira como Prática Antirracista e de Valorização Humana.
A pedagogia da Casa do Vovô é descrita como "profundamente engajada na consciência social e no antirracismo". Esta não é uma adição moderna, mas um retorno à essência histórica da Capoeira. Nascida da necessidade de resistência física e cultural dos africanos escravizados no Brasil, a Capoeira é, em sua origem, uma prática de libertação. Ao ensinar Capoeira hoje, especialmente em comunidades vulneráveis, a escola reativa essa função histórica. Ela se torna um espaço para a valorização da herança africana, para o fortalecimento da autoestima e para a construção de uma identidade positiva. A roda de Capoeira funciona como um microcosmo social onde os praticantes aprendem a se respeitar, a se reconhecer nos símbolos de sua cultura e a celebrar uma herança que por séculos foi marginalizada.
5.3. O Projeto Cazua: Um Ateliê de Cultura e Convivência.
Um dos elementos mais simbólicos da autossuficiência e do compromisso cultural da Casa do Vovô é o projeto "Cazua Na Roça", ou simplesmente Cazua. Este espaço funciona como um ateliê para a confecção de instrumentos musicais, como o berimbau e outros instrumentos de percussão, além de ser um ambiente dedicado à confraternização dos membros do grupo. O Cazua é muito mais do que uma simples oficina; ele é a materialização da autonomia cultural do grupo.
Na Capoeira, os instrumentos, especialmente o berimbau, são considerados sagrados. Eles não são apenas ferramentas musicais, mas os verdadeiros mestres que comandam a roda. A habilidade de construir o próprio berimbau—desde a seleção da madeira (a verga), o tratamento da cabaça, até a fixação do arame e do couro—é um sinal de profundo conhecimento e conexão com a arte. Ao criar um espaço dedicado a esse ofício, Contramestre Gué fomenta uma cultura de autossuficiência. O grupo não depende de fornecedores externos para os elementos centrais de sua prática. Este ato de criação, que conecta o praticante a todo o ciclo de vida de seu instrumento, reforça os laços com as raízes da arte e empodera os membros, transformando-os de meros consumidores em produtores ativos de sua própria cultura. O Cazua simboliza que a Casa do Vovô não apenas pratica a cultura, mas a gera, a constrói e a sustenta com as próprias mãos.
6. Um Embaixador da Cultura Popular: A Disseminação do Legado.
6.1. Missão Nacional: Levando a Arte a 17 Estados Brasileiros.
A atuação do Contramestre Gué não se limita às fronteiras de Itabuna, sua missão de disseminar a Capoeira e o Samba de Roda o levou a uma extensa jornada pelo Brasil, abrangendo 17 estados. Este trabalho de intercâmbio nacional é de vital importância para a saúde e a evolução da Capoeira no país. Enquanto as viagens internacionais trazem visibilidade global, as viagens domésticas fortalecem a rede interna, promovem a troca de conhecimentos entre diferentes escolas e linhagens, e previnem o isolamento cultural das diversas regiões. Ao viajar pelo país para ministrar oficinas, participar de batizados e conduzir rodas, Gué não apenas ensina sua arte, mas também aprende, absorvendo as nuances e os estilos de outras comunidades e enriquecendo sua própria prática. Essa mobilidade tece uma teia de conexões que fortalece a Capoeira brasileira como um todo, garantindo sua diversidade e vitalidade.
6.2. Projeção Internacional: Chile, Argentina, Turquia, França e Espanha.
Além de sua capilaridade nacional, o trabalho do Contramestre Gué e da Escola Casa do Vovô transcendeu as fronteiras do Brasil. Ele já conduziu missões culturais e de ensino em países como Chile, Argentina, Turquia, França e Espanha. Esta projeção internacional é um testemunho do reconhecimento de sua habilidade e conhecimento. Para muitos capoeiristas de alto nível, essas viagens são uma parte essencial de sua jornada, permitindo-lhes compartilhar sua cultura e, ao mesmo tempo, sustentar seu trabalho. Em cada um desses países, Gué atuou como um embaixador cultural, levando não apenas a técnica da Capoeira, mas também a filosofia da Casa do Vovô, o legado de Mestre Vovô e a identidade cultural de Itabuna para uma audiência global. Esse intercâmbio enriquece as comunidades de Capoeira no exterior e solidifica a posição de Itabuna como um centro exportador de cultura afro-brasileira.
6.3. O Impacto da Mobilidade na Troca de Saberes e no Fortalecimento da Rede.
A figura do capoeirista como um "viajante" é central para a disseminação global da arte. As viagens do Contramestre Gué, tanto nacionais quanto internacionais, não devem ser vistas como meros deslocamentos, mas como um mecanismo vital para a "troca de saberes". Cada workshop ministrado, cada roda compartilhada, é uma oportunidade de diálogo intercultural. Essa mobilidade constante previne a estagnação, introduzindo novas ideias e perspectivas tanto para o visitante quanto para o anfitrião. Ao conectar a linhagem específica de Itabuna com a rede transnacional de capoeiristas, Gué contribui para um ecossistema cultural dinâmico e resiliente. Ele personifica o movimento contínuo que sempre caracterizou a Capoeira—uma arte que nunca ficou parada, que sempre se adaptou, viajou e floresceu em novos territórios, mantendo suas raízes firmes enquanto seus galhos alcançam o mundo.
7. A Síntese do Educador, Artista e Líder Comunitário.
A análise da trajetória do Contramestre José Carlos "Gué" Silva Nascimento revela uma figura multifacetada cuja importância para a cultura de Itabuna e para o universo da Capoeira é inegável. Ele emerge não apenas como um artista marcial de alta competência, mas como um educador dedicado, um pesquisador incansável e um líder comunitário visionário.
Primeiramente, sua atuação é definida pela responsabilidade de ser o guardião de um legado. A criação da Escola de Capoeira Casa do Vovô é um ato monumental de preservação da memória de seu mentor, Mestre Antônio Neviton dos Santos (Vovô). Através da institucionalização, Gué garantiu que a linhagem, a filosofia e o foco social de seu mestre não apenas sobrevivessem, mas prosperassem, adaptados aos desafios do século XXI.
Em segundo lugar, sua filosofia pessoal o posiciona na vanguarda do movimento de intelectualização da Capoeira. Ao defender que o praticante deve ser um "grande pesquisador" ele eleva a arte para além do domínio físico, exigindo um engajamento intelectual, histórico e estratégico. Seu estilo, focado no "jogo de corpo" e na musicalidade, reflete essa síntese entre a inteligência ("cabeça") e a técnica ("pernada"), formando praticantes completos e conscientes.
A Casa do Vovô, sob sua direção, serve como um modelo exemplar de como a Capoeira pode funcionar como uma poderosa ferramenta de transformação social. A pedagogia da escola, firmemente antirracista e focada na formação cidadã, cumpre a função histórica da Capoeira como prática de resistência e valorização humana. A inclusão do Samba de Roda e a existência do projeto Cazua demonstram uma abordagem holística que nutre não apenas o corpo e a mente, mas também o espírito comunitário e a autossuficiência cultural.
Finalmente, como embaixador nacional e internacional, Contramestre Gué amplifica o alcance da rica cultura afro-brasileira de Itabuna, tecendo uma rede de intercâmbio que enriquece tanto sua comunidade de origem quanto os lugares que visita. Ele é, em suma, a síntese do mestre moderno: um artista que domina o jogo, um intelectual que estuda a história, um educador que forma cidadãos e um líder que constrói pontes culturais, garantindo que o axé de sua linhagem continue a vibrar em Itabuna e em todo o mundo.
Agradecimento ao Criador do Documento.
Este relatório, em sua forma enriquecida, só foi possível graças ao trabalho fundamental de documentação e à visão de Cristiano Dos Santos Rocha (Alemão). Sua iniciativa em registrar a trajetória do Contramestre Gué personifica o provérbio africano que nos lembra: "Até que os leões tenham seus próprios historiadores, a história da caça sempre glorificará o caçador". Rocha, neste ato, assume o papel de historiador de sua própria comunidade, garantindo que a narrativa de um de seus mais importantes guardiões culturais seja contada com a profundidade, o respeito e a precisão que ela merece.
Referências:
Campos, H. J. B. C. (2004). Capoeira Regional: A escola de Mestre Bimba. Repositório Institucional da UFBA.
Capoeira Maryland. (n.d.). Our CD.
Cultura Gov. (n.d.). Contramestre Preto. Mapa da Cultura.
Ferreira, A. (2024). Agenciamento negro e a transnacionalização da capoeira: o caso da Jamaica. ResearchGate.
Gué Itabuna.pdf (Documento fornecido pelo usuário).
Ideal Capoeira. (n.d.). Capoeira Song Compendium Version 1.0 International.
IPHAN. (n.d.). Escola de Capoeira Casa Do Vovô. Cadastro Nacional da Capoeira.
IPHAN. (n.d.). Carlos Zoião. Cadastro Nacional da Capoeira.
IPHAN. (2006). Samba de Roda do Recôncavo Baiano. Dossiê IPHAN 4.
Portal Capoeira da Bahia. (n.d.). Escola de Capoeira Casa do Vovô.
YouTube. (2023). Capoeira SAMBA DE RODA | Capoeira Club London. Canal Edgar Bombril.
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YouTube. (2024). Capoeira Retreat 2024 | session 2 | contramestre Thiago. Canal Nikola Orešković.
YouTube. (2024). Capoeira Retreat 2024 | session 3 | contramestre Thiago. Canal Nikola Orešković.
YouTube. (2024). Samba de roda capoeira. Canal Capoeira show Brasil.
Referências citadas:
Gué Itabuna.pdf
Capoeira Song Compendium Version 1.0, acessado em outubro 27, 2025, https://www.idealcapoeira.com/Portals/0/adam/Content/EAgRcxte50S3__k2A7utUA/Link/Capoeira_Song_Compendium_Version_1.0_International.pdf
Informações do grupo e entidade - IPHAN Capoeira, acessado em outubro 27, 2025, https://capoeira.iphan.gov.br/index.php/grupo/infor/49
Escola de Capoeira Casa do Vovô, acessado em outubro 27, 2025, https://capoeiradabahia.com.br/grupo/escola-de-capoeira-casa-do-vovo/
Mestre Neném - Acaz, acessado em outubro 27, 2025, https://acaz.site/historicoacaz
Carlos Zoião - IPHAN Capoeira, acessado em outubro 27, 2025, https://capoeira.iphan.gov.br/user/infor/42
Capoeira Regional: a escola de Mestre Bimba, acessado em outubro 27, 2025, https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/4986/1/capoeira%20regional%20-%20a%20escola%20de%20Mestre%20Bimba.pdf
Samba de Roda do Recôncavo Baiano - IPHAN, acessado em outubro 27, 2025, http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PatImDos_SambaRodaReconcavoBaiano_m.pdf
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Contramestre Preto - Mapa da Cultura, acessado em outubro 27, 2025, https://mapa.cultura.gov.br/agente/259113/contramestre_preto
Contramestre Barata - YouTube, acessado em outubro 27, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=0W6mRftC5Dw
(PDF) Agenciamento negro e a transnacionalização da capoeira: o, acessado em outubro 27, 2025, https://www.researchgate.net/publication/385500472_Agenciamento_negro_e_a_transnacionalizacao_da_capoeira_o_caso_da_Jamaica
Our CD - angá capoeira maryland, acessado em outubro 27, 2025, https://capoeiramaryland.com/our-cd
Capoeira SAMBA DE RODA - YouTube, acessado em outubro 27, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=yZN06h8NKOI
Contramestre Cavalo's class | Capoeira musicality | GOT Borneo 2024 - YouTube, acessado em outubro 27, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=yyUlgWmhWmQ
Contramestre Thiago | 2nd session | Capoeira Retreat 2024 - YouTube, acessado em outubro 27, 2025, https://www.youtube.com/watch?v=9Oi1Jlj_Yvg
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